sábado, 8 de março de 2008

Primeira pessoa. Última conjugação


Eu, que tantas vezes escondo da primeira pessoa algum tempo verbal. Eu, que tantas vezes sorri ataques para não chorar prantos. Eu, que tantas vezes rocei os lábios para não soltar suspiros lá do colo negro. Eu, que tantas vezes senti o corpo vibrar para não morrer. Eu, que canto estados múltiplos na bipolaridade da anomalia.
Eu, que desperto fora de horas, que tomo cafés de improviso, que congelo dedos de fumo para não queimar a alma.
Respirei e recomecei.
Eu, que tantas vezes quis esgalhar o corpo em braços de ferro, morder a terra como quem derrete um chocolate na boca. Eu, que tomo banhos a fim para não sofrer odores de contratempo. Eu, que visto peles de pele seca. Eu, que alinho simetricamente reflexo do olhar. Eu, que gosto de escrever sem verbos e por pontos finais para não respirar entretanto.
Eu, que respiro ácaros do teatro, faço dançar personagens e já não sei gatinhar no palco. Eu, que nunca fui mais que uma atmosfera pequena que rejubila pelos comparsas pacientes e veste o luto da invasão. Daqueles.
Eu, que vou sendo a campa. Eu, que vou deixando morrer floreados personificados desta mentira “pouco discreta” umas vezes infantil outras enfatizada. Eu, que largo rasgos na noite de preto vestida, acendo velas ao senhor e velo a esperança purgatória do degrau. Eifel felicidade.
Eu, que quis estar bem com deus e com o diabo, eu que vesti a freira do êxtase dentro do diabo das rezas.
Eu, que fecho os olhos para desviar o olhar. Eu, que faço horas no meu relógio.
Eu, que não tenho outra forma que não este egocentrismo de querer existir. Eu, que visto a pele. Um retalho facial onde perco destreza. E que tristeza.
Canto no duche. Canto os cantos dos lusíadas num recanto de Pessoa. Fazendo passar pessoa.
Eu, que não gosto de fazer o dois com as mãos para tirar fotografias. Eu, que não sei falar inglês, espanhol, açoriano e português. Eu, que escrevo palavras estranhas e significados que não existem. Eu, que vivo açoraniedade entre as ruas de Lisboa e onde vejo baleias no palco. Onde faço mar alto e grito baixo um eco, um vapor, uma réplica, um suplício. Digo merda e sou pouco menina na hora de beber uma imperial. Como tremoços e vou ao café onde senhores da idade do avô jogam cartas e fumam cigarros. Eu, que gosto de verde, cor-de-rosa, amarelo e branco. Eu, que tenho medo de acordar sem saber o que a vida já aconteceu. Eu, que contraponho corridas para o metro.
Eu, que posso ser Maria, Carolina, Olga ou Constança. Eu, que assino como criança. Eu que não sei tirar nomes ao meu nome. Eu, que podia ser tão simples nesta vontade de falar de mim. Eu, que podia mas não sou. Eu, que quero parar e a musica não deixa. Eu, que sou provavelmente o rapsodo que Aristóteles critica. Eu, que não leio obrigação, mas sonhei que era uma daquelas actrizes dos anos 50 louras de unhas vermelhas com um camarim todo maquilhado e uma cadeira toda empoeirada. Eu, que não vi, não vivi. Existiu.
Eu, que sonho com a bílis fora do corpo, com comida a fugir de mim, com a hora do ensaio. E não reproduzo.
Eu, que tenho sede de ego, sede de estima. Esgrima.
Eu, esgrima. É isso? Eu, que. Sim. Esgrima. Eu, que esgrima. Esgrima, que eu. Não. Eu. Esgrima.
Respiro. Bocejo. Eu, que…

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