sexta-feira, 28 de março de 2008

Homens com cara de gigante e força de criança

Hoje delicadamente pediram-me ajuda.
Não conheço nem tão pouco me lembro do sexo. Era um adolescente que pela primeira vez confronta-se com a vontade de estudar sem querer sair da ilha. Dei por mim ao fim de longos dedos de conversa a comparar a vantagem de um lisboeta à ignorância de um primeiro beijo. Sou capaz de nem ter dito nada, e ajudado muito menos. Mas isso realmente, é o de menos. A questão é que no término diz “se um dia for alguém vou me lembrar de si”. E eu tão estupidamente penso naquilo, não por se lembrarem de mim, mas por relacionarem-me com a existência. O público adolescente fala como se ouvisse lei. E eu que fico muito mais criança que adulta na conversa de adolescência…
Fechei. Revirei três segundos ao pensamento e relativizei. Continuo a viver no egocentrismo de pensar que no palco ninguém me vê. Na realidade esta é a função da arte, esconder pelo meio de mostrar. Quem procura caminhos artísticos, música, teatro, poesia, pintura, escultura, etc., etc., não procura mais que a máscara, fantasia onde se escondem homens com cara de gigante e força de criança.
E eu precisava ser virgem de tudo outra vez.
Acordo abraçada ao temor. Não quero conhecer mais nada. A cada coisa que sei é uma força virgem que morre em mim. Aos poucos vamo-nos tornando conhecedores de podridões e espectadores de uma esperança vazia.
Sabe-se que é de aprender e aprende-se para não saber mais nada.
Já ninguém nasce virgem. As crianças são feitas por catálogos e modelos de revista. As batatas já não são plantadas e o morango come-se a qualquer altura.
O mar cheira a rio e o rio é o mar dos que ficaram.
O branco só continua branco porque às coisas catalogadas não se mexe. Não há tempo para novos índices. Apenas formular dicionários de sentidos e sentimentos para falarmos todos a mesma língua. Temos novos códigos: antigamente a mesa farta, hoje o chic é ter o prato vazio e dizer que se está satisfeito. Antes namorava-se à janela e amava-se para toda a vida, hoje fazem sexo no primeiro encontro e ninguém ama ninguém (está “dêmodê”), antes aparecer em público era uma vergonha, hoje é uma vanguarda. Antes usar baton vermelho não era para qualquer uma, hoje até os homens usam lápis preto nos olhos. Antes havia uma sociedade por classes, hoje temos uma salada com pretensão de se tornar empadão.
No fundo aquele pedido de ajuda foi uma sirene que antes não tinha e hoje tenho.
Só agora percebi a máscara que a arte transporta. Mostra grandes senhores afrente de pequenas crianças. Não é falta de amadurecimento só falta de crescimento.

1 comentário:

Mar de Bem disse...

MULHER, que grande texto!!!